quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Carnaval: um espetáculo da comunidade para o mundo


Na Marquês de Sapucaí, no Rio de Janeiro (RJ), durante o carnaval, vemos um mundo encantado em que uma fada, com um toque de varinha, parece colocar beleza na avenida para encantar nossos olhos. Mas, se nos desfiles fadas podem até fazer parte do enredo, quem, na verdade, faz acontecer o esplendor é o trabalho de uma comunidade.
Trata-se de uma comunidade essa que luta, batalha e vive do carnaval e para o carnaval, que coloca pais, mães, filhos e netos a pensar sobre o assunto de fevereiro a janeiro, a sentir o suor que lhes escorre pelas faces durante o trabalho pela escola, a ver em cada esquina um novo tema para o carnaval, a ouvir o samba passado durante todo o ano seguinte, a viajar nas cores e nas lembranças de todos os carnavais em que tiveram, mesmo que nos bastidores, o papel principal.
Comunidade composta de muitos rostos, risos, nomes e dons. Pessoas que vivem o seu grande amor pelo carnaval e fazem disso uma grande motivação de vida, que de setembro a março depositam o seu suor e muitas vezes trazem o próprio sustento do trabalho realizado nos barracões. Comunidade composta pelo João da Padaria, mas que na quadra é conhecido como João Compositor. Tinola, costureira e também aderecista. Cristiano, atendente, mas primeiro Mestre Sala. Antônio, que desenha vestidos de noiva, mas que no carnaval é o grande figurinista. José, ferreiro, que coloca toda a nossa fantasia em carros alegóricos. Mauro, que transformou sua licenciatura em História em contação de estórias, através dos enredos que coordena como carnavalesco.


Oportunidade de trabalho – Esse povo traz o samba no pé, na voz, no coração e nas mãos calejadas, sustentando e prestigiando a escola durante o ano em seus eventos. Povo cativo que se sente bem ao estar em meio aos seus, que abraça a causa, que faz acontecer as ideias, que investe seus talentos, que tem reconhecimento. Gente que, em meio à simplicidade, se transforma em reis e rainhas, pessoas criadas e formadas pelo grande trabalho social realizado nas comunidades, que investe na profissionalização dos seus jovens e os coloca no mercado de trabalho.
E isso nos leva a crer que a fada madrinha existe sim. É ela que traz a profissionalização, o trabalho, o ganho, a luta e o riso, a alegria de ver sua escola na avenida e o seu esforço bem remunerado, através do carnaval que movimenta, sustenta e modifica a vida de famílias, que fazem disso o seu cotidiano e, com raça e imensa devoção, choram cada décimo perdido na hora da apuração, chegando à quarta-feira de cinzas com a sensação de dever cumprido. E a fada madrinha do carnaval vem resgatando, assim, a autoestima de comunidades sofridas, onde quase sempre o trabalho é muito mais uma obrigação do que prazer. E faz do dia a dia dessas comunidades um grande carnaval.

A raça da comunidade leva o carnaval
Dona Mariazinha, mulher, negra, mãe, costureira, cozinheira, baiana, hoje com 80 anos, é a grande representante desse mundo do carnaval. Com tantos anos de caminhada pela Marquês de Sapucaí, ela relata o quanto é satisfatório fazer esse trabalho. Apesar de hoje as mãos não suportarem o trabalho nos barracões e seus olhos não enxergarem tão bem as contas e miçangas, ela vai para a avenida desfilar, chorar e agradecer por tudo o que o carnaval representa para ela, para sua família e para a comunidade!
O que o carnaval representa na sua vida?
O carnaval é minha casa, o estudo do meu filho, a brincadeira e o berço comprado para o meu neto. A vida inteira ganhei meu sustento costurando para a minha escola e durante cinco meses ganhava o que nunca me pagaram em casa de patroa nenhuma. Meus filhos nasceram no meio da escola, viraram aprendizes e hoje são profissionais do carnaval. Muita gente pensa que a escola já nasce grande, mas até ela chegar a esse nível é muita caminhada. Algumas escolas têm feito do seu carnaval um mercado, porém o que leva a escola para cima é a raça da comunidade. Costumo dizer que a gente já nasce sambando. Minha filha mesmo, aos 10 anos de idade, dizia que seria porta-bandeira, e brincava de sambar em casa com a vassoura na cintura. Hoje ela é a primeira porta-bandeira da escola, estandarte de ouro e meu orgulho. Todo mundo pensa que o carnaval se mantém apenas com o desfile, mas, na realidade, o que faz o carnaval chegar até a avenida é a dedicação e a presença daqueles que amam a escola e recebem o retorno com muitos projetos sociais realizados nas comunidades.

Esse trabalho e dedicação é remunerado?
Quanto mais a escola cresce, mais nós crescemos. Se a escola sobe, aumenta a verba doada e consequentemente o pagamento daqueles que trabalham para a escola. Mas até a escola alcançar esse patamar, fazemos muitas coisas por amor, sem ganhar nada. E quando a escola alcança um alto padrão, nossa vida melhora porque as escolas abrem cursos nas comunidades durante o ano: de costura, aderecista e figurinista. A ideia é investir em quem está dentro. A escola faz parceria com o governo e empresas, e muitas vezes dá uma ajuda de custo aos estudantes pela produção, o que incentiva e permite a eles se manterem no mercado de trabalho fora do período do carnaval, levando aquilo que aprenderam. É bonito de mais ver os nossos jovens fazendo aquilo que tanto amamos, e ganhando por isso!

Quando realmente começa o trabalho para os desfiles das escolas?
O trabalho do carnavalesco já começa quando escolhem o tema do próximo carnaval. É um trabalho de pesquisa e desenvolvimento do tema, através das alegorias e fantasias.

E depois?
A partir desse momento os jovens, que estudaram sobre carnaval durante o ano, têm a oportunidade de colocar o que aprenderam em prática, e começa o ciclo de devolução para a escola de tudo o que ela investiu. Trabalhamos muito, muitas vezes não há tempo nem para almoçar, até dormimos no barracão. Mas tudo isso regado a muito samba, amizade, e o povo vai cantando e trabalhando, tudo junto.

Seus filhos trabalham no carnaval?
Sim, além de minha filha que é porta-bandeira, meu filho tem uma daquelas barracas na Marquês de Sapucaí. Graças ao dinheiro dali temos casa própria. Podemos dizer que já trabalhamos muito pela escola e hoje o trabalho com o carnaval é que nos mantém, dando a oportunidade de uma vida melhor. Muita gente é empregada pelas escolas de samba, mas menino bom mesmo é o meu neto, que virou ferreiro. Porque aí ganha por carro alegórico. A gente não vive mais sem carnaval não.

Como é na hora do desfile?
A gente que é da comunidade ganha a fantasia, deposita as esperanças e reza para tudo dar certo. Depois, é só alegria!


Fonte: Família Cristã